segunda-feira, 20 de abril de 2009

O papel do professor de Letras na formação de escritores:


Pode-se dizer que alguém é escritor quando se utiliza das palavras para transformar o mundo em que vive. Mais que um instrumento pragmático-comunicativo, a língua é, para o escritor, uma possibilidade de se alcançar a realidade, por via da linguagem, a fim de transformá-la. Barthes (2007) já defende que o fascismo da língua, ou seja, o poder que ela exerce sobre os nossos discursos necessariamente ideológicos, só pode ser combatido pela literatura. Mas o que é a literatura?
Literatura é, segundo Roland Barthes (2007, p.16), “ (...) não um corpo ou uma sequência de obras, nem mesmo um setor de comércio ou de ensino, mas o grafo complexo das pegadas de uma prática: a prática de escrever”. Podemos falar que a formação do escritor não depende da transferência de um conhecimento. Ensinar um código lingüístico não faz de ninguém escritor. Este se faz pela prática da escrita, no desenvolvimento de uma escritura peculiar.
Muitas vezes o profissional de Letras é identificado por uma função predominantemente técnica: a de ensinar o código da língua. Às vezes, por algo até bem mais restrito que é ensinar a gramática ou a NGB. Formar escritores, diz a ideologia dominante, não é função de um profissional das Letras, afinal escritores não se formam. Machado de Assis se fez sem tutor, autodidata. A escritura é um dom, dizem.
Tal pensamento reflete uma ideia ultrapassada sobre a concepção de ensino. Paulo Freire (1996, p. 52) já nos incita a entender que “saber (...) ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” Essa forma de ensino é brilhantemente demonstrada no filme “Encontrando Forrester” (2000).
A película mostra a história de Jamal Wallace, um negro de 16 anos que vive no Bronx, Nova Iorque. O jovem, dono de uma inteligência extraordinária e de uma grande aptidão para a escrita, é um estudante de periferia que não possuia em sua escola incentivo suficiente aos seus talentos. Lá ele promovia sua integração entre os amigos de classe jogando basquete.
Num certo momento da trama Jamal e seus amigos notam que um senhor branco, “o da janela”, os observava constantemente, isolado em sua casa. Decidem, então, saber do que se trata, pois, para eles, era estranho um branco se isolar numa casa no Bronx, bairro eminentemente de negros. Jamal invade a casa do senhor, mas, pego em flagrante, foge e esquece sua mochila no local, com seus escritos dentro. O velho lê todo o material deixado por Jamal e os corrige, devolvendo-os ao garoto. Este fica entusiasmado e se sente incentivado a escrever mais para que o senhor misterioso pudesse corrigi-los. A partir daí inicia-se uma intensa relação entre os dois.
Jamal, exímio estudante, é convidado para estudar em um famoso colégio particular de Manhattan. Ao chegar ao novo ambiente passa a ser alvo da inveja de um frustrado professor, o Sr. Crawford. Nesse ponto do filme nos deparamos com duas situações antagônicas: a atitude de incentivo do “cara da Janela”, uma espécie de professor fora das estruturas formais e o desestímulo do professor legalmente instituído. Jamal descobre que seu novo amigo é um conhecido escritor, William Forrester que havia ganhado o prêmio Pulitzer há 40 anos por um romance de sua autoria, o único da carreira.
O filme desenrola-se com a ajuda mútua entre os novos amigos. Jamal ajuda Forrester a sair de seu isolamento e continuar a viver intensamente. Forrester faz brotar o grande escritor que já existia em Jamal. A atuação dicotômica dos tutores de Jamal nos dá uma lição do que é o verdadeiro ensino.
Crawford se surpreende ao conhecer os escritos do estudante Wallace. Porém sua surpresa não o faz buscar o talento existente no garoto. O professor prefere acreditar que um negro, vindo do Bronx, tão jovem, jamais poderia ter tão bela escritura; ele acredita ser apenas um plágio qualquer.
Tal postura em relação a Jamal reflete a personalidade antiquada do professor. Muito tradicionalista, Crawford exige mais a memorização de seus alunos que o desenvolvimento das aptidões em potencial. Para esse professor era mais importante decorar o nome de memoráveis escritores e saber determinadas peculiaridades, até dispensáveis, de romances tradicionais. O concurso que ele promove para a avaliação dos escritos dos estudantes é uma verdadeira tortura, visto que os alunos tinham de ler seus trabalhos em voz alta para todos da turma, o que causava muito constrangimento entre os jovens.
Forrester, apesar de não ser um educador formal, foi capaz de fazer nascer um brilhante escritor. Sem ajuda, Jamal talvez não conseguisse desenvolver-se. Negro, pobre, rejeitado por todos do colégio, alvo de perseguições de professores, o estudante vê-se impedido, muitas vezes, de seguir em frente. William Forrester acaba por exercer papel decisivo em sua formação.
É desta forma que o professor de Letras deve se posicionar diante de seus alunos: como um grande incentivador de talentos. A prática de leitura e escrita é praticamente inexistente nas escolas brasileiras. Assim como o prof. Crawford, incentiva-se em demasia a memorização, seja de regras ou de autores clássicos. Pouco se busca o potencial de escrita dos estudantes.
Buscar tais potenciais não é transmitir nenhum conhecimento, mas ensinar. Tal ensino deve-se se centrar na prática da escrita. Como dito alhures, através da citação de Barthes, a escrita, como ato de libertação, porque estimuladora do pensamento crítico, é uma prática constate que permite o desabrochar do pensamento reflexivo. O prof. Neres (2005) nos chama atenção para o fato de que o fantasma da redação é criado, principalmente, pela falta de hábito de escrever e de questionar a realidade.
Além disso, explica o professor, o excesso de teoria sobre as chamadas técnicas de redação é outro item que desmotiva o estudante. Preocupar-se com as regrinhas em detrimento das ideias faz com que o aluno não consiga desenvolver-se com liberdade. Em uma cena do filme, Jamal dá uma aula a Forrester sobre seguir regras na escritura. O estudante possuia a consciência de que regras existem para ser quebradas quando necessário e ele o demonstra ao explicar que uso de conjunções no início da construção de um parágrafo pode ter grande variabilidade.
Uma relação de ensino deve ser entendida como um intenso processo cíclico entre professor e aluno. Este não é um ser sem luz que depende de um ser iluminado. O professor deve aprender com seu aluno e este com seu professor. Assim foi com Jamal e Forrester. Não só Jamal conseguiu desenvolver-se como escritor com a ajuda de seu mestre mas também Forrester obteve uma nova visão sobre a vida com a ajuda de seu aluno. O famoso escritor consegue superar seus problemas e sair da reclusão para viver uma nova vida.
Diferente de uma mera transmissão de conhecimento, o processo de ensino é uma experiência que marca, por toda uma vida, tanto o aluno como professor. O profissional das Letras, nesse processo, deve ter a consciência de seu papel de formar leitores e escritores críticos, contribuindo assim para uma possível consolidação de uma verdadeira cidadania.


REFERÊNCIAS
BARTHES, Roland. Aula: aula inaugural da cadeira de semiologia literária do Colégio de França, pronunciada dia 7 de janeiro de 1977; tradução e posfácio de Leyla Perrone-Moisés. – São Paulo: Cultrix, 2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996

JOSÉ, Neres. Estratégias para matar um leitor em formação. São Luís: Carajás, 2005

RICH, Mike; SANT, Gus Van. Finding Forrester. [Filme-Vídeo] Produção de Mike Rich, direção de Gus Van Sant. EUA, Columbia Pictures/ Sony Pictures Entertainment, 2000. 1 Mídia em DVD, 136 min. color son. Legedado, Port.

Um comentário:

  1. muito bom esse texto só nos leva a entender quão importante e´incentivar o aluno a leitura ,a grandes descobertas por meio das letras.

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