
O epíteto de pardalzinho (La môme piaf) atribuído à grande cantora Edith Giovanna Gassion não poderia ser esquecido nesse ano da França no Brasil. O apelido carinhoso atribuído por Louis Leplée, que a retira das ruas para os palcos, deve-se à poderosa e peculiar voz da artista em contraste com seu pequenino corpo. Consagrada como Edith Piaf, tornou-se uma das personalidades mais importantes do meio artístico francês não apenas por seu inconfundível talento mas também por sua fascinante história de vida, um verdadeiro romance, levado às telas pelo cineasta Oliver Dahan.
O filme, Piaf: Um hino ao amor, é um retrato sensível e poético sobre a trajetória de uma mulher que viveu intensamente cada minuto de sua vida dedicada à música e ao amor. Longe de ser apenas uma biografia, a película demonstra o olhar sensível de Dahan, do diretor Jean Pierre Martins e principalmente da atriz Marion Cotillard (que, com sua interpretação brilhante na pele de Piaf, consegue o Oscar de melhor atriz em 2008), sobre o “estar sendo” da vida de uma mulher insaciável.
Falar sobre Piaf é um verdadeiro desafio. Extremamente intensa, não há como falar da artista sem falar da pessoa. A vida de Piaf era arte, arte era para ela a vida. Nascida em 1915, em Paris, Beville, teve uma infância paupérrima. Filha de artistas, a mãe cantora e o pai contorcionista, sai de casa ainda adolescente e se une a Momone, sua amiga inseparável, cantando nas ruas para sobreviver. Foi descoberta aos 20 anos por Leplée que a convida para trabalhar como cantora em seu cabaré.
Com apenas 1,47 de altura e uma saúde frágil, contagiava o público com sua voz hercúlea e fabulosa interpretação. Chama a atenção de grandes poetas e compositores, dentre eles Raymond Asso que se dedica a transformá-la numa verdadeira artista com ajuda da pianista Margueritte Monnot. Asso escreve um dos primeiros sucessos de Edith Piaf, “Mon légionnaire”. Era o início de uma colossal e inesquecível carreira. Piaf passa a trabalhar em programas de rádios, grava discos e atua no cinema, porém era cantando sem microfone que ganhava o respeito de seu público.
Filha das ruas, Edith Piaf não abandona seu senso de liberdade e infinitude ao fazer sucesso como cantora. Brincava com o poder e o sucesso que adquirira para aflorar sua personalidade irreverente e criativa. Viveu ácidas paixões, abusava do álcool e de festas. Realizou a façanha de conquistar os Estados Unidos ao interpretar “Milord” num cabaré elegante de Mahhantan, apesar de não ser uma típica francesa sexy, alcançando fama nos dois lados do Atlântico.
Além da fama, Piaf inicia uma ardente história de amor na América pelo pugilista Marcel Cerdan. O casal torna-se alvo dos maldosos comentários da mídia, mas a queridinha dos franceses possuía carta branca para viver amores controversos, inclusive com um homem casado. Piaf, apesar de já ter vivido muitas aventuras amorosas e momentos extremamente difíceis como a morte de sua filha Cécelle quando tinha 19 anos, entrega todas as suas mais fortes alegrias e tristezas à paixão por Marcel. Dedica-lhe a música “L’hynne à l’amour”, Um hino ao amor, que foi inclusive interpretada em português pela cantora Maysa Monjardim, grande admiradora de Piaf.
A morte de Marcel é um verdadeiro divisor de águas na vida da grande Edith Piaf. A culpa a consome. Ela havia insistido que Marcel viesse encontrá-la de uma maneira mais rápida que a viagem a navio. O avião do lutador cai e é fatal não só para ele como para Môme Piaf que passa a manifestar sintomas de um reumatismo só controlado na época por morfina. É o início da decadência da cantora. Viciada em morfina e álcool, vítima de dois acidentes de carro, a cantora tem sua saúde cada vez mais debilitada, desmaiando seguidas vezes em apresentações, pois se recusava a parar.
Ainda interpretou vários sucessos como “L’Homme à la moto”, “ Les amants d’um jour” e “La Foule”. Sua voz permanecia milagrosamente maravilhosa. Seu desempenho ao cantar “Non, je ne regrette rien” no Olympia de Paris foi considerado um dos maiores de todos os tempos. Tal música, composição de Charles Dumont, a emocionou profundamente por retratar muito de sua personalidade. A canção revela um alguém que esqueceu o passado para recomeçar do zero, uma nova trajetória com novas emoções. Piaf acreditava no amor não como um ideal, distante, inalcançável ou metafísico. Assim como Nietzsche acreditava nas artes como algo próximo à realidade, Piaf vivia sua arte com amor à própria vida, como algo inevitável, no aqui e no agora. Lidar com o real, para a artista, deveria ser um constante reconhecer nas próprias coisas reais a alegria.
Sua última paixão foi o jovem Theophanis Lamboukas, apelidado pela cantora de Sarapo, que em grego significa “eu te amo”; Piaf tinha 46 anos e Theo 23 anos. Com a saúde maltratada e sérios problemas no fígado, Edith se recolhe no fim de seus dias para Enclos de La Rorrée, no planalto de Glasse. Lá ela morre, dia 10 de outubro de 1963. O enterro da cantora foi acompanhado por milhares de parisienses e o seu túmulo é um dos mais visitados por turistas no mundo inteiro.
Edith Piaf foi a protaganista sem ensaio de um verdadeiro drama. Alguém que considerava viver algo sem início ou fim, é apenas ser, amar, amar e amar. A primeira composição de Piaf, “La vie em rose”, considerada um clássico de sua carreira, reflete toda a sua odisséia. Mesmo vivendo intensas decepções, dificuldades e barreiras, via um mundo cor de rosa. Seu espírito de menina, divertida e amante, no seu vestidinho preto e pulmões incríveis, ficará eternizado nas gerações que ainda acreditam na arte como a mais pura verdade do homem.
Thais Carvalho Fonseca
Texto publicado no jornal "O Estado do Maranhão", em 23 de maio de 2009
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