A REPÚBLICA
Livro III
Após chegar à conclusão de que os guardiões da cidade devem ser fortes e bravios e, ao mesmo tempo, afáveis para com o povo, Sócrates condena a poesia de Hesíodo e a épica de Homero, que coloca os deuses como algo a temer, como instrumento na formação de guardiões da pólis. O processo educativo dos cidadãos não deve basear-se na mentira, no medo à fúria dos deuses, portanto contar fábulas às crianças, futuras cidadãs da pólis não é profícuo visto que as mesmas são literatura falsa, engodo; o homem deve ser livre e temer a escravidão mais do que a morte. Para o filósofo, quanto mais poética a produção, mais distante da verdade estará, portanto menos devem ser ouvidas pelas crianças.
Citando trechos da Ilíada e Odisséia Sócrates observa que os poemas épicos trazem muitas informações falaciosas sobre a realidade e acabam por influenciar de forma negativa o comportamento do ser humano, pois muitas vezes os deuses são mostrados como seres vingativos, gananciosos, inclinados ao desejo e ao medo o que pode insinuar que tais posturas são dignas também de humanos. O filósofo passa a compreender quais literaturas trazem o tom imitativo, ou seja, uma espécie de discurso direto que distancia a voz do personagem da voz do narrador. Para eles a imitação é a principal responsável pelo engodo, logo deve ser extirpada da cidade já que é mentira e esta é remédio que deve ser utilizado apenas pelo médico, que no caso da cidade é o governador; poetas são prejudiciais à polis.
A imitação dificilmente será utilizada com freqüência por um homem de bem já que poucos atos dignos existem para serem imitados e muitos são os atos indignos. O poeta medíocre imita tudo, não se importando com os valores dos atos. Além disso, Socrátes aponta que só um Deus seria capaz de imitar todos os atos possíveis numa realidade, pois como já se observou alhures a cidade só funciona, pois a cada um é atribuído uma função específica que poderá executar com grande eficácia. Um Deus como esse não teria função na pólis e deve ser expulso.
Da literatura imitativa Sócrates destaca a tragédia, a comédia e a música. Esta, porém, não deve ser condenada como aquelas, pois pode ser utilizada na educação dos jovens quando exaltarem valores dignos do homem bom e guerreiro. No geral qualquer obra de arte apenas poderá ser considerada quando feita pelo artista inspirado pela natureza a imitar o belo, o perfeito e o salutar. Após tais considerações Sócrates passa a considerações sobre a saúde do corpo. O bom guardião é aquele que mantém o equilíbrio do corpo e da alma, esta pela filosofia e a boa arte aquele pela ginástica e alimentação.
Ø Sobre os primórdios da teoria do gênero
Platão, nessa parte da obra, distingue três modalidades de textos literários: a simples narrativa, a imitação e uma modalidade mista, formada pela associação das duas anteriores.
A simples narrativa ocorre quando é o próprio poeta que fala e não tenta voltar o nosso pensamento para outro lado, como se fosse outra pessoa que dissesse e não ele. A imitação pode ser entendida como a tentativa do poeta em se ocultar e falar como se fosse outra pessoa; é quando se tiram as palavras do poeta no meio das falas e fica só o diálogo, procurando assemelhar o mais possível o seu estilo ao da pessoa cuja fala anunciou. A modalidade mista da narrativa comporta segmentos de simples narrativa e de imitação.
Platão lança aqui os fundamentos de uma divisão tripartida dos gêneros literários, distinguindo e identificando o gênero imitativo em que se incluem a tragédia e a comédia, e gênero narrativo puro, representado, segundo o filósofo, pelo ditirambo e o gênero misto compreendido nas epopéias. Essa divisão não inclui a poesia lírica como categoria. Platão fala sobre a música que se confundia com o lirismo, após dissecar sua compreensão acerca de literatura.
Livro X
Após reflexão acerca das formas do estado e qual aquela que seria a ideal, Platão considera em sua doutrina sobre a poesia que a poesia de caráter mimético não deve ser aceita em seus padrões de seu Estado ideal, pois todas as obras dessa espécie se afiguram como a destruição da inteligência dos ouvintes. Para o filósofo a mimese consistia em uma atividade três pontos afastada do real, ou seja, consistia em imitar algo que já foi construído a partir da ideia daquele objeto que é universal e verdadeira. Para exemplificar utiliza-se da atividade do pintor que pinta apenas a aparência, uma já deturpação da realidade existente no mundo das ideias. Dessa mesma forma o poeta, por meio de palavras e frases, sabe colorir devidamente cada uma das artes, sem entender delas mais do que saber imitá-las.
Ademais, a poesia é voltada à manifestação do prazer e da dor e acaba por não incentivar um caráter sensato e calmo, algo prejudicial ao regular andamento do Estado. Por mais que a poesia pareça sedutora, visto que o poeta inspirado é capaz de seduzir pelas coisas que nos fogem à razão, ela não deve ser quista num Estado que se quer governar pela razão e pela verdade.
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