
(1919)
O estranho, segundo Jentsch, citado por Freud, é aquilo que provoca sentimentos variados nas pessoas. Freud buscando o tema do assustador, daquilo que provoca medo e horror, faz o estudo lingüístico da palavra estranho em alemão.
Ao fazer a análise filológica da palavra heimlich, Freud, chega à conclusão de que o estranho é a categoria do assustador que nos remete ao conhecimento do que é familiar, velho, conhecido. O estudo demonstrou que heimlich ao mesmo tempo que significa algo familiar, íntimo, conhecido, doméstico em seus diferentes usos, significa também algo oculto, sonegado, sendo o mesmo significado do significante unheimlich; un- transmite a ideia de misterioso, sobrenatural, que desperta horror. “Segundo Schelling, unheimlich é tudo o que deveria ter permanecido secreto e oculto, mas veio à luz”[1]
O estranho é aqui tratado como sentimento de dúvida entre a normalidade, o conhecido; e a anormalidade, o desconhecido. Os temas de estranheza podem ser facilmente atribuídos a causas infantis, como o é, frequentemente, o duplo, segundo explica Freud. Esse duplo surge contra a destruição do ego, como, ex. vi., a ideia da alma imortal, porém depois de haver sido uma garantia de imortalidade, transforma-se em estranho anunciador da morte. Essa ideia do duplo não desaparece com a superação do narcisismo primário. Passa-se a criticar o seu eu, exercendo uma censura dentro da mente, num nível consciente (superego). Essa atividade mental dissocia-se do ego, que trata o resto do ego como objeto. Há também uma concepção do duplo relacionada a um futuro não cumprido, mas possível, a que gostamos de nos apegar por fantasia.
Freud considera a hipótese de que o estranho não é algo novo ou alheio. É sim algo familiar e “há muito estabelecido na mente, e que somente se alienou desta através do processo de repressão”[2] O algo que amedronta é algo reprimido que retorna.
O animismo, a magia e a bruxaria, a onipotência dos pensamentos, a atitude do homem para com a morte, a repetição involuntária e o complexo de castração compreendem praticamente todos os fatores que transformam algo assustador em algo estranho. Acreditou-se algum dia que essas possibilidades eram realidades, hoje não se acredita mais nelas, são pensamentos superados, mas não nos sentimos muitos seguros de nossas novas crenças, e as antigas existem ainda dentro de nós. A sensação estranha decorre quando acontece algo que somente nossas crenças passadas aceitariam. Como diz Freud, é tudo uma questão de teste de realidade.
Porém no que tange ao complexo de castração a situação é diferente, pois o estranhamento não decorre no nível material, mas psíquico. Não há aqui, superação de determinadas crenças contidas na realidade material. O problema se situa a realidade psíquica, pois há uma repressão real de algum conteúdo de pensamento e num retorno desse conteúdo reprimido. Ou seja, “uma experiência estranha ocorre quando os complexos infantis que haviam sido reprimidos revivem uma vez mais por meio de alguma impressão, ou quando as crenças primitivas que foram superadas parecem outra vez confirmar-se” [3]
A diferença é tênue, explica o pai da psicanálise, mas pode-se identificar, mesmo que com pouca clareza, aquilo que foi suprimido ou aquilo que foi reprimido, pois um está no campo do real material, o outro no campo do real psíquico.
A significação antitética das palavras primitivas
(1910)
Nesse texto Freud aborda o estudo do filólogo Karl Abel sobre a língua egípcia. Este estudioso observa que os antigos egípcios possuíam palavras dotadas de dois sentidos antitéticos. Isso ocorre, explica o filólogo, não pelo grau de capacidade intelectual de tais povos, mas pela maneira como o homem desenvolveu seu processo de formação da língua.
Abel observa que os primitivos egípcios possuíam palavras composta em que dois vocábulos de significação antitética se uniam de maneira a formar uma palavra composta que possuia a significação de apenas um dos componentes. Isso ocorre, segundo o filólogo, pois a formação de nossos conceitos se dá por um processo comparativo. O primitivo egípcio não conseguia estruturar conceitos sem realizar conscientemente uma comparação com a ideia oposta. Assim o significado forte teria por significante forte-fraco.
No curso subsequente da linguagem, ocorrerá as ambiguidades das palavras, como dito alhures, para depois formar-se a não ambiguidade de grande parte dos vocabulários modernos
[1] FREUD, Sigmund (1989c). O Estranho. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira, 2 ed. Rio de Janeiro: Imago, 1989, vol.17. (originalmente publicado em 1919). p. 282
[2] Ibid. p. 301
[3] Ibid. p. 310
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