sábado, 11 de abril de 2009

Igreja Cristã, Capitalismo e Campanha da Fraternidade 2009


Tema: Fraternidade e Segurança Pública
Lema: A paz é fruto da justiça

Muitas vezes questionei-me sobre a apatia que assola nossas igrejas cristãs. Refiro-me não somente àquela apatia mórbida que retira a ação do sujeito e que tem feito muitos católicos abandonarem sua crença, buscando alternativas mais dinâmicas como o protestantismo. A apatia que me instiga não é apenas a desmotivação mas também o caminhar mecânico e irrefletido de nós leigos e religiosos.
Ao observarmos as igrejas cristãs de nosso século, percebemos que a ideologia cristã, na grande maioria delas, não existe ou, no mínimo, foi esquecida. Tal afirmação pode até parecer uma repetição do discurso de Nietzsche, afinal, para ele, só existiu uma cristão: o próprio cristo. Porém não é exatamente disso que falo. Jamais existiu e talvez jamais existirá alguém que viva fielmente a ideologia cristã, ainda que a canonização católica pretenda defender o oposto, e, aqui, falo de ideologia num sentido “cazuzaniano”, se me permitirem tal neologismo (ou metáfora). O problema parece ser, neste caso, que a ideologia cristã não pertence mais às suas igrejas cristãs. Ela ficou esquecida em algum lugar da história e foi substituída por uma espécie de capitalismo cristianizado.
Falar de um capitalismo cristianizado chegar a ser no mínimo contraditório, já que o capitalismo exalta o indivíduo e o cristianismo o coletivo. A atual catequese católica trabalha justamente em cima da tal contradição: o profano é individual e egoísta, o cristão é comunitário e igual. Assim aprendemos e assim achamos que vivemos ou buscamos viver. Não há aquele que se considere cristão, até mesmo os cristãos por conveniência social, que não acredite que todos somos iguais e, portanto, devemos amar ao próximo como a nós mesmos.
O Ocidente tem tal ideia, inclusive, como algo externo à concepção religiosa; é princípio de direito universal que na verdade só existe na lei formal, ainda muito longe de atingir qualquer materialidade. Porém não é essa nossa discussão. A igualdade formal já foi bastante criticada pelos socialistas e não muitos resultados obtiveram. O problema é quando, mesmo dentro de uma proposta religiosa, há uma reprodução da igualdade formal e do individualismo às cegas. Acreditamos piamente que perseguimos os ideais cristãos, quando, na verdade, só repetimos a estrutura egoística do capitalismo através de uma casca de humanidade cristã.
A igreja do Nazareno foi, por vezes, criticada por não exercer sua ideologia ao longo da história. Após o cristianismo de Atos dos Apóstolos a igreja cristã ainda não conseguiu retornar à sua proposta inicial e digo com muito pesar que talvez jamais consiga. Se antes foi o esquema político medieval e moderno, combatido por Lutero, que impedia o exercício verdadeiramente cristão da igreja, agora é o capitalismo o grande inimigo, porém como combater algo tão sutil e invisível? Um inimigo que não está individualizado em si, não se constitui um alvo perceptível, é simplesmente um modo de viver em sociedade que consideramos essencial à nossa sobrevivência; acreditamos inclusive que faz parte da naturalidade das coisas, como o é o evolucionismo de Darwin.
Já que não temos como fugir ao nosso destino de luta pela sobrevivência, reproduzimos esse esquema em nossas igrejas, porém tentamos dar uma “pitada” de bondade cristã. Quase da mesma maneira que João Calvino o fez, todavia com um nível de inconsciência perturbador. Vamos à igreja com o intuito de sermos uma comunidade, um só em Cristo. No entanto o que buscamos na realidade é uma comunidade que esteja disposta a nos ajudar: uma oração por nossa família, pelo trabalho, um emprego ou um apoio moral na criação dos filhos que se envolveram com drogas, uma ajuda psicológica para depressão e outros males. Depois de alcançado o fito individualista-pragmático o cristão sai de “fininho” e só retornará no próximo conflito. Assim tem funcionado a lógica de muitas igrejas protestantes que têm seus auditórios cheios através de promessas de uma vida rica e feliz, como se Jesus tivesse dito alguma vez durante nos seus 33 anos de vida que a felicidade e riqueza possuíssem alguma ligação.
Há aqueles, no entanto, que permanecem na igreja. São os fiéis, os irmãos, a comunidade cristã tentando ser um só. O resultado, porém, dessa união não parece ter sido dos melhores, pois o corpo praticante da igreja ou se movimenta com fins intencionalmente individuais ou não consegue refletir bem sobre suas ações, essa é apatia a qual me referi no início do texto. Temos a sensação que vivemos em um momento histórico de liberdade e, por isso, o nosso cristianismo é sincero, mas acredito que não é bem assim. Numa sociedade consumista não há liberdade. Foi Sartre quem disse que o homem é livre porque escolhe, e no consumo não há escolha, somos escravos. Ser integrante de um corpo comunitário cristão é somente mais uma forma de consumo. Muitos se vêem obrigados a participar de uma igreja, para dela tirar proveito de acordo com suas necessidades individuais, outros, mais persistentes em sua prática religiosa, têm na igreja um refúgio à maldade humana. Reconhecem a existência dessa maldade e ao invés de combatê-la se refugiam em um corpo religioso, se unem aos bons como ele e tentam ser pessoas melhores nesse esquema alternativo de vida.
O resultado desse pragmatismo religioso são igrejas que vivem o pragmatismo capitalista de consumo no seu cotidiano. Cumprimos obrigações religiosas como se fôssemos operários, exemplo típico é a apego católico a um tipo de liturgia sem ao menos refletir sobre a contextualização de tais normas. Fazemos de algumas de nossas atividades religiosas produtos de consumo dentro do próprio corpo religioso como ocorre com a música Gospel. Nossos encontros são rápidos, de preferência encontros para o alimento do espírito (ou seria um produto consumido pelo nosso espírito?). As discussões sobre os problemas da comunidade ficam pra depois, um dia desses... O dízimo vira um compromisso, pagamentos feitos em série, pois o próprio corpo religioso não consegue atender às suas necessidades utilitárias se não for dentro do esquema do capital. Não há servos dispostos a servir. Temos de pagar faxineiros, secretárias e outros servicinhos que só ocorrem se houver dinheiro em caixa. Como se a moeda já não fosse o serviço em si. A evangelização, pedra angular do cristianismo, deixou de ser a festa pela ovelha perdida para ser o recrutamento de mais um operário para o serviço que carece de gente.
Esse desabafo parece ser um tanto cruel com nossas igrejas que, no geral, visam disseminar o amor. Os cristãos de hoje, em sua maioria, possuem boas intenções, querem ajudar a construir um mundo melhor e mais igual, assim como quis Cristo. Porém nossa apatia não nos deixa seguir. Enfraquece-nos e aliena. Vivemos num sistema social na qual é difícil acreditar em deus (ou em amor) e quando buscamos esse deus na vida comunitária das igrejas não o achamos. Nós somente continuamos a prática do dia-a-dia na igreja, tornando esta algo estéril e frio. Acredito, como muitos têm dito, que precisamos voltar ao primeiro amor, porém conscientes que o contexto social dos primeiros cristão não é o nosso. Somente se pudermos refletir sobre a nossa própria realidade, poderemos tentar entender o que é ser um cristão em pleno século XXI. Sobre a CF-2009? Dispenso comentários....

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